Tô só observando

Tô só observando

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Clara

Clara lembrava de si criança. Lembrava da barriga redonda que ela inflava de ar porque achava graça não ver os pés. Aos 10 já não tinha graça fazer isso, todas as meninas da classe já tinham crescido e ela insistia em brincar de shorts na rua.


Clara achou a adolescência muito difícil. Os seios não cresceram como o das outras meninas, o quadril era largo e mesmo magra, parecia gorda. Ela também não esqueceu da dor do primeiro sutiã e da primeira menstruação.

Clara, na faculdade, decidiu entrar para uma turma de revolucionários, como quase todos os jovens adultos resolvem fazer. Ela entrou. Era aceita, mas continuava a se sentir um bicho fora do ninho. Começou a trabalhar intensamente e a murchar a barriga.

Clara não gostava da própria barriga, achava-a grande perto das outras mulheres, mas ela aprendeu a segurá-la a fim de não fazer feio para homens, colegas de trabalho, amigos, família. Todo mundo esconde a barriga, pensava ela.

Clara não percebeu que algo silencioso já a tinha invadido há muitos anos, que não era só a barriga que ela segurava, segurava a si mesma. Fez diversos tratamentos para controlar uma dor que ela tinha no corpo e que ninguém sabia de onde vinha. 

Clara fez de tudo: alopatia, ressonâncias, homeopatia. E, num dia, de muita dor, ela dormiu no sofá e sonhou que era criança e que subia uma cerca alta. Ela se esforçava muito e devido ao esforço, a barriga relaxou e ela olhou aquela barriga redonda de novo e sem perceber, estava no alto da cerca, empoleirada, feliz.

Clara acordou sem dor e tranquila. Olhou para si. Como num raio pensou: solta, tá tudo bem, seja feliz. Um outro raio respondeu: mas o que vão pensar de mim? Queria dizer para Clara: não ouça os raios, eles são barulhentos, ouça o silêncio e respira.

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